Morte e vida do jornalismo esportivo
Apegado a uma tradição, o jornalismo esportivo acabou enquanto propósito, mas renasce enquanto performance
O jornalismo esportivo tradicional está morto. Acabou. As demissões de diversos comunicadores do Grupo Globo acenam para este novo momento. Embora indique para uma espécie de etarismo, em que profissionais mais antigos e que possuem um estilo mais tradicional perdem espaço para outros mais novos e mais adaptados ao que a comunicação atual pede (leia-se também que ganham menos que os mais velhos), a questão-chave deste texto não diz respeito a este preconceito nas redações, embora ele exista. Sobretudo, pretendo analisar esse momento do jornalismo esportivo brasileiro, ou melhor, da cobertura esportiva brasileira. Dizer que os novos tempos acenam para um jornalismo é profundamente errado. Inclusive, dizer que o jornalismo esportivo ainda existe pode ser uma demasia no que se refere às condições de valores históricos que ele possui. Aqueles que ainda fazem parte desse estilo mais tradicional sobrevivem, logo, graças a uma construção cultural que entregou ao público uma forma de se fazer jornalismo esportivo, isto é, só existe enquanto tradição. Ele não existe mais enquanto propósito.
Paradoxalmente, com tantas demissões, trocas de postos e um proposital rejuvenescimento das redações e dos meios, é possível identificar, pela primeira vez, uma geração de jornalistas que está enriquecendo graças à cobertura esportiva, especialmente nas redes sociais. O que aparenta ser contraditório é, na verdade, uma metamorfose que acontece na profissão. Se, por um lado, boa parte dos jornalistas sustenta que essa tradição é essencial para a manutenção da atividade do jeito que sempre foi, outros resolveram se reinventar buscando na antítese dessa tradição uma fórmula para poder se sustentar — e muito bem — dentro desse meio. Para sobreviver ao esgotamento do formato e para encontrar um caminho que dá dinheiro, a solução é quase radical: o sucesso do jornalista esportivo nos tempos atuais está em não fazer jornalismo.
A crise do jornalismo esportivo tradicional: os golpes
A crise do jornalismo esportivo é resultado de fenômenos que começaram a partir dos anos 2000. Sobretudo, três motivos foram essenciais para chegar a esse momento: a) a precarização da profissão; b) a desqualificação da audiência e c) a desatualização dos jornalistas. Também interferem na crise motivos que são alheios ao jornalismo em si, mas que são próprios do nosso tempo. O jornalismo esportivo caminha com a sociedade e não em paralelo à mesma. Com isso, eventos que determinam os modos de produção, distribuição e consumo das mídias naturalmente incidem sobre o jornalismo esportivo em si. Neste sentido, destaco uma revolução¹ que foi fundamental para a produção desta crise: o jornalismo esportivo tradicional não soube lidar com o chamado espírito do tempo, em que a tecnologia determina substancialmente aquilo que as pessoas consomem.
É preciso lembrar de uma época em que o jornalismo esportivo se parecia bastante com aquele feito por outras editorias. Isso aconteceu até os anos 2000. Os programas de debate, embora muitas vezes performáticos, eram feitos de maneira tradicional: mesa, mediador, debatedores. As performances eram muito mais no sentido de defender uma ideia que de entregar uma encenação à audiência. Eram performances reais, geralmente um descontrole, um excesso ou uma afirmação contundente de ponto de vista. Durante um bom tempo, estes programas reforçaram o imaginário do jornalista esportivo, misturados com matérias que eram tradicionais, aproximando-se de modelos que eram feitos em outras editorias. Os programas de informação, por exemplo, eram bem clássicos: uma bancada, um âncora sentado, um texto, um teleprompter, uma pauta, reportagens.
Essa suposta seriedade sempre foi marcada por emoção, mas nunca por performance. No Rio Grande do Sul, por exemplo, as encenações e jogos de cena ficavam com alguns que se prestavam a isso — Paulo Sant’anna foi o maior exemplo — , mas não com a maioria dos comunicadores, que eram, em geral, mais sisudos. Quem se propunha a algo mais leve, flertava mais com uma performance humorística que encenada. Na televisão, as transmissões eram convencionais. No rádio também. Isso não mudou muito em termos de roteiro, mas se transformou no sentido de entregar ao espectador um show. Esse pensamento de espetáculo era bem mais comedido. O show não está no jogo em si. Está no modo com que se fala, se narra, se comenta, se mostra. Nomes como Sílvio Luiz e Márcio Canuto eram exceções numa regra que era até careta demais para um público que evoluía em seu consumo midiático.
A partir dos anos 1990, com o futebol superespetacularizado e supermidiático, surgiram concorrentes para o rádio, o jornal e a televisão. Primeiro, a TV a cabo, com programações extensas. Depois, a Internet. Não foi apenas a tecnologia que foi preponderante para essas transformações. O público, que passou a ser mais diversificado e essencialmente jovem, também exigia que aquilo que se enxergava na tela ou se ouvia no rádio fosse mais compatível com a sua realidade. O jornalismo esportivo, da noite para o dia, envelheceu rápido demais.
O primeiro golpe na prática veio com a leifertização do futebol, fenômeno que preserva o nome de Tiago Leifert como uma homenagem ao mais importante comunicador esportivo da nova era². Leifert e a equipe do Globo Esporte dos anos 2000 revestiram a cobertura esportiva com uma embalagem que serviria para aqueles que não eram tão fãs do esporte. Era o futebol para quem não gostava de futebol. Assim, o futebol passou a ser um programa da família brasileira e não mais do pai fanático que alugava a TV por meia hora sozinho. A crítica possível a Tiago Leifert pode ser a de desjornalização (sic) do futebol. Menos jornalismo, mais show. E, com isso, não sei se visionário ou casual, abriu leque para diversas abordagens do esporte na mídia brasileira que buscavam o mesmo efeito alcançado. Todos foram impulsionados pelo segundo golpe: as redes sociais.
Para entender o jornalismo esportivo no âmbito contemporâneo, é preciso, imediatamente, entender como as redes sociais se movem. Tudo é sobre métrica. Números. Audiência contada na hora. A lógica é: quanto mais gente assistir — e isso está documentado em tempo real — , mais dinheiro você vai ganhar. Além disso, as redes sociais estimulam o entretenimento. O modo com que montaram redes de grande alcance, como o TikTok, por exemplo, é a partir da exploração desse entretenimento em forma de dancinhas, memes e piadas. Jornalismo é outra coisa, portanto.
Por fim, o golpe final diz respeito ao público. Ele quer ser parte do negócio. Ele quer se enxergar naquilo que assiste. Ora, um programa tradicional não engaja o espectador ao ponto de fazê-lo sentir-se parte da história. É preciso ser o espectador. E o que ele é, ou melhor, como ele consome futebol? Ele é passional, sem filtros, torce e “seca” na mesma medida, quer “leveza” e “entrega” na mesma proporção, tornando-se, neste sentido, um exigente espectador acéfalo³. Ele é, desta forma, uma extensão de si nos programas esportivos. Ele está lá. Com isso, houve algumas consequências no modo de fazer jornalismo esportivo: a) o torcedor quer ver “um dos seus” na mídia, de preferência torcendo; b) o torcedor quer um debate que se assemelha ao “papo do bar”; c) o torcedor quer o pensamento do torcedor na mídia, não importando mais o jornalismo ou detalhes do jogo, mas exige aquilo que ele diz na sua esfera pessoal, como soluções fáceis, “corneta” ao adversário, indignação; d) o torcedor não se importa se isso tudo for encenado, pois a realidade que importa é somente a sua.
Estes golpes fizeram com que a outrora já empoeirada tradição virasse cinzas definitivamente. Sucumbida pela insistência num saudosismo que morre em si. A tradição só existe enquanto memória afetiva, não mais enquanto prática, tampouco enquanto propósito. Em tempos de crise, enquanto uns choram, outros vendem lenços.
O contragolpe frustrado
A análise tática é a paleta mexicana do jornalismo esportivo. O frozen yogurt. O bolo no pote. É a gourmetização do jornalismo esportivo. Quando aconteceu o 7 a 1, a histeria geral do público fã de futebol apontava para um único caminho em todas as suas esferas: é preciso estudar. Só desta forma se acreditava que o jornalismo esportivo pudesse se reinventar através da catástrofe. Era preciso estudar e o novo caminho seria pavimentado por profissionais que estivessem sintonizados com aquilo que o futebol apresentava na época. Surgiram os analistas táticos da comunicação⁴, que apareceram com o frescor da inovação: bem articulados, inteligentes e atualizados. Parecia que a reinvenção da classe seria feita a partir dessa perspectiva. A adesão de nomes importantes no cenário nacional, o surgimento de novos profissionais e a participação de ex-jogadores que são comentaristas fortaleceram essa ideia. Novos vocábulos foram incorporados à linguagem do comentário. A perspectiva pelo campo e bola reduziria o torcedorismo, atribuindo ao jornalismo esportivo um fenômeno semelhante ao que aconteceu nos anos de 1960, mas com abordagem diferente. A era do palpite seria sepultada e daria lugar à análise, na acepção que tem o termo. Mas essa abordagem fracassou.
Já escrevi bastante sobre esse tema, mas o fracasso do analista tático conversa muito com um público que quis se interessar pelo assunto mas esbarrava na arrogância dos profissionais ou no clube fechado que criaram para seus conteúdos. Alienados ao processo comunicacional, pois sabem pouco sobre o assunto, muitos perderam relevância quando determinaram que não iriam melhorar suas abordagens no sentido de apreender uma quantidade maior de pessoas. Algumas atitudes públicas destes analistas foram profundamente antipáticas junto à audiência e aquilo que parecia saudável — uma problematização do futebol diante de temas mais profundos — se transformou em conversa para boi dormir. Passaram, cada vez mais, a falar para eles e sobre eles. E, como ninguém gosta de assumir fracasso, decretaram seu papel no meio dessa fauna: “somos um nicho”. Os analistas táticos na comunicação se auto definiram como comentaristas Premium, loteando startups futeboleiras e espaços cada vez mais reduzidos e com menos leitores. Ninguém sobrevive sem público. Nem quando se veste de “nicho” ou “segmento” (eu até hoje não entendi o que é um nicho ou segmento para eles).
Outra parte dos que adotaram essa perspectiva foi bem esperta e compreendeu que a dificuldade de se relacionar com o público vinha da pretensão de transformar o futebol em assunto acadêmico para as massas. Estes profissionais refizeram suas abordagens e hoje, por ironia, mas também por humildade, perceberam que não é o contexto (o ecossistema midiático) que se dobra à forma, mas a forma é que se molda pelo contexto. Futebol não é assunto para um (respira fundo) nicho. Não é assunto acadêmico. É popular, intensamente midiático e obrigatoriamente, seja qual for a abordagem, precisa ter uma conexão com um público. Com isso, é possível enxergar também a transformação destes profissionais, que, embora não descambem para a performance fácil, já introduzem características mais performáticas (vejam, por exemplo, o novo momento do PVC). O tempo é implacável e ninguém escapa dele.
A solução: torcedorismo e performance
Enquanto a análise tática se transformava em sonho de uma noite de verão e o jornalismo esportivo tradicional evocava seu espírito saudosista para tentar se manter enquanto propósito, a ressurreição da categoria vinha das redes sociais e funcionava como uma resposta ao tatiquês e uma afirmação à era da performance. As duas principais características do consumo midiático contemporâneo são: pertencer e aparecer. Você precisa se identificar com o que consome; você precisa produzir conteúdo que alcance as pessoas. Sem isso, não existe o resto. Não existe bom conteúdo que sobreviva. Não existe sequer tradição que sustente.
Tanto o jornalismo esportivo tradicional quanto a análise tática na mídia estão fora deste escopo. O primeiro é essencialmente produzido a partir de uma via, à moda antiga, em que o jornalista fala/escreve e o público recebe. Além disso, é feito por profissionais que estão numa empresa, impossibilitando que outros consigam produzir conteúdo semelhante. Precisam de estrutura, programação, uma certa lógica jornalística. Mesmo assim, não é por causa disso que se percebe o envelhecimento do modelo tradicional. É mais pelo segundo aspecto, que diz respeito mais ao pertencer que qualquer outra coisa. O jornalismo esportivo tradicional não pertence ao espírito do tempo. Está fora daquilo que a audiência deseja.
Por isso que esse jornalismo tradicional não é mais realizado por boa parte dos profissionais destas empresas, que encontram nas redes sociais a divulgação de seus conteúdos. Como resposta, algumas empresas buscam inspiração nesse formato. Mesmo assim, por conta daqueles três itens que mencionei no início do texto (a precarização da profissão, a desqualificação da audiência e a desatualização dos jornalistas), essas inovações esbarram nessas resistências. Para produzir esse tipo de conteúdo, é preciso investimento, entender a audiência (ainda que desqualificada e pueril) e da consciência dos profissionais. Sem esses três pontos, não existe inovação. E é preciso inovar porque o público quer isto. Muitos ainda são presos à tradição e aí está, por exemplo, um problema enorme do rádio: ele não vive somente de saudosismo. O nosso tempo não é sobre olhar para trás, ele olha sempre para a frente. Enquanto falamos em ChatGPT, inteligência artificial, hibridização de conteúdos e plataformização das mídias, gestores de empresas sequer ouviram falar nesses termos.
O outro ponto é uma questão quase filosófica. Como escapar do jornalismo se somos jornalistas? Se o momento pede performance e engajamento, ele é exatamente tudo aquilo que o jornalismo de cartilha evita. Como nos desjornalizar? É uma tarefa muito difícil, na medida em que outros componentes atravessam essa tentativa. O primeiro é que precisamos defender a profissão e é mais ético e justo que sigamos adotando práticas tradicionais. O segundo ponto é que não sabemos fazer isso. Performar requer um grau de encenação e até de dissimulação que a profissão de jornalista não aceita. E o terceiro ponto é que não há uma capacitação aceitável para que o profissional de jornalismo de adapte a esta lógica. O jornalista tradicional vive o seu Dia da Marmota: preso a um modelo esgotado, vive dia após dia enfrentando os obstáculos do apego à tradição, da ausência de qualificação e de um total descaso ao jornalismo esportivo dentro das empresas. Aquelas que se adaptam, conseguem. Mas precisam entender que esse caminho é irreversível: performar para sobreviver.
Um modelo de performance bem sucedido é o jornalismo torcedor. Ele encontra uma imediata adesão popular por movimentar o imaginário do espectador. Dez entre dez torcedores querem saber para que time cada jornalista torce. É um fetiche que visa aproximar o comunicador daquilo que ele deseja. Se ele for do meu time, é dos meus. Alguns profissionais perceberam essa lacuna e, desde o fenômeno Baldasso para cá (e me refiro ao jornalismo gaúcho aqui mais uma vez), uma série de outros jornalistas “abriram seus times” e se colocaram nas redes sociais como torcedores. O resultado foi implacável. A maior audiência no YouTube é a do Canal do Baldasso, superando inclusive a gigante Gaúcha. Na jornada esportiva, o mesmo modelo de narrador, comentarista e repórter, mas com um toque especial que as emissoras não conseguem fazer: uma transmissão performática de colorado para colorado, de gremista para gremista. Com afeto, com carinho e com muita encenação.
A ressurreição do jornalismo esportivo
A partir dessas iniciativas, o jornalismo esportivo se refaz em torno de uma performance de comunicação que reativou o apelo do torcedor e capturou o espírito do nosso tempo como, talvez, só tenha acontecido com o jornalismo esportivo dos anos 1960. Trata-se da maior revolução do jornalismo esportivo brasileiro em 60 anos. É o uso quase perfeito dos teoremas que ordenam a lógica comunicacional contemporânea. Ao invés de credibilidade, seriedade, análise, informação, notícia e jornalismo, tem-se pertencimento, engajamento, performance, encenação, customização e entretenimento. Tudo isso feito por jornalistas. O sucesso de projetos como o do Cazé e da febre de mesacasts⁵, do TikTok como rede social, do consumo através de cortes e da potencialização de fóruns na Internet em que o torcedor se sente parte do processo fez com que esse modelo fosse muito rentável para os jornalistas.
É uma equação bem simples. O jornalismo esportivo tradicional⁶ está estagnado, perdendo público, precarizado pelas empresas, com péssimas gestões e preso a um tempo que ninguém mais se importa. O novo jornalismo esportivo brasileiro se molda a partir do pertencimento, do engajamento, da linguagem das redes sociais, gerido pelos próprios profissionais e aberto ao público. É fresco e atualizado, embora problemático em muitos sentidos — da ética à falsificação. Mas, como estamos numa época em que parecer, pertencer e aparecer significam mais que uma defesa profissional que o público não entende, a migração de profissionais para este meio é uma realidade que incomoda os jornalistas mais agarrados ao ethos da profissão, mas que pode formar, pela primeira vez na história do jornalismo brasileiro, uma geração inteira de profissionais realmente ganhando dinheiro com a comunicação.
Esta equação é ainda mais simplificada se formos no âmago dessa relação. O jornalismo tradicional está morrendo porque esse novo modelo PAGA MAIS. Como condenar? Significa vender a alma ao diabo? É uma contradição? Pode ser tudo isso ou pode ser mais simples. Trata-se de uma lógica de mercado. Oferta e demanda. Pela primeira vez na história, da mesma forma, o público criou um produto e não os comunicadores. Quando começaram a usar as redes sociais e entender como funciona sua linguagem, toda indústria cultural midiática se viu obrigada a se adaptar a essa linguagem. E, neste sentido, estamos falando do principal consumidor contemporâneo: o jovem.
É por ele que o jornalismo esportivo renasce, ainda que seja enquanto público. A primeira geração nascida na convergência digital se insere na sociedade como consumidora dos ativos da indústria cultural. E, como ela cresceu nesse ambiente, a linguagem que ela aprendeu a consumir é esta. O jornalismo esportivo não nasceu neste cenário. Logo, quem se dobra é quem precisa se adaptar e não os já adaptados. A demanda é de fora para dentro: o público exige; os meios fazem. Tanto faz se for a partir de um jovem, como o Fred Bruno, esse do BBB, ou de veteranos como Farid Germano Filho; o que importa é a linguagem. É a adaptação.
Este mesmo jovem é uma mina de ouro quando falamos sobre Internet. Ele é um consumidor ávido. Ele procura o produto e consagra o produto, desde que o produto esteja adaptado ao que ele quer. Junto a isto, existe o adulto que se adaptou à configuração da Internet, em que a programação é ele que faz, a hierarquização de horários é customizada e o conteúdo é on demand. Quando falo de linguagem, refiro-me também à dinâmica de consumo: tudo é perene, rápido, descartável e esquecível. Você precisa se comunicar desta forma para se enquadrar num modelo bem sucedido de produção. O rádio — e me apego essencialmente a ele — poderia ser esse meio não fossem aqueles pontos específicos que determinam o seu envelhecimento. Além disso, há também o próprio envelhecimento do público, que busca na sua memória afetiva os últimos instantes de audiência de um meio que se transformou tão rápido que nem os próprios radialistas entenderam. Pelo contrário, combatem um inimigo enorme e um processo irreversível.
Essa confusão midiática é necessária quando existe uma revolução em jogo e faz vítimas que não conseguiram entender o processo, como Cléber Machado (embora ache discutível) e Jota Júnior. Não está em jogo a competência de ambos, estupendos narradores. Está em jogo o que eles oferecem ao público. A narração limpa e descritiva de Jota Júnior serve menos que uma gritaria, uma encenação ou uma narração torcedora. O estilo tradicional de Cléber Machado cede lugar ao que é classificado como novo, algo recheado de bordões, memes e engajamento. Da mesma forma que o jornalismo tradicional se segura em tradição, essa nova comunicação esportiva, problemática, muitas vezes antiética e definitivamente antijornalística angaria, em forma de likes, aquilo que o comunicador jamais sonhou com o jornalismo tradicional. Eles querem ganhar dinheiro, mas também querem fama. Eles querem uma vida confortável e pouco importam os meios para atingir isto. Eles fazem o que o público quer, como um circo que o jornalismo de verdade deve sempre se recusar a ser.
Entre o sensacionalismo encenado e a defesa profissional, o primeiro ganha de goleada. E, assim, renasce o jornalismo esportivo, sob a égide da performance e do teatro. Não somos mais jornalistas, somos entertainers, animadores de plateias virtuais buscando o próximo corte, o próximo like, o próximo milhão. Eis que o jornalista esportivo achou a fórmula para ganhar dinheiro. Diante da incompetência dos gestores, da precarização da profissão e da falta de incentivo à atividade, que não se faça jornalismo. Que se faça a tal da performance. O jornalismo esportivo está morto e reaparece ressuscitado como circo, para um público que vaia o palhaço mas enriquece o dono da lona, que, por sinal, é o próprio palhaço. Nada mais próprio ao tempo que vivemos. Afinal, nem todo renascimento é bíblico.
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¹ Eu não achava a internet uma revolução na acepção do termo até considerar que seus efeitos causaram uma real ruptura no comportamento humano e no ecossistema midiático. Basicamente, não se faz mais nada sem a Internet. Revolução é quando existe uma ruptura capaz de alterar totalmente um modelo.
² Não entro no mérito das qualidades do Tiago Leifert. Mas, a partir dele, o público passou a enxergar o futebol mais como entretenimento que como jornalismo. Ele, neste sentido, representa essa primeira revolução.
³ Ao contrário do que o termo sugere, acéfalo é no sentido de que o torcedor é bem mais visceral que cerebral. É instintivo e não racional.
⁴ Não me refiro aqui aos analistas táticos que trabalham em clubes, mas somente aos profissionais que possuem atividade na imprensa trabalhando desta forma ou àqueles que compõem esse estilo.
⁵ Para uma investigação futura: adoto o podcast brasileiro como um formato de MESACAST, mas isso será desenvolvido futuramente.
⁶ Não tem nada a ver com o MEIO, mas sim com a FORMA. Pode ser na TV, rádio ou Internet, o que importa é a forma.